Sexta-feira, 30 de Março de 2007

Drama, Farsa e Poesia

O Pano de Fundo, post anterior, conjugado com o desenrolar das cenas em palco contem ingredientes que configuram uma teatralidade dramática. É a visão impressiva de uma sociedade em crise grave: autores, ensaiadores, contra-regra, actores e assistência não se entendem. A dúvida existencial expressa por Garret impõe-se: “Romeiro, romeiro... Quem és tu? – Ninguém!

            O desempenho dos intervenientes leva-nos insistentemente a recordar o Gil Vicente postergado nas escolas, e a procurar para além dos juízos de farsa algum consolo nos destinos apontados no Auto da Barca do Inferno.

            Mas é grande a inquietação gerada pela lembrança da Arte de Furtar, de início publicada em nome do padre António Vieira e posteriormente atribuída a António Sousa de Macedo. Segundo António José Saraiva e Óscar Lopes, “É um depoimento literário muito completo e variado acerca da realidade social do tempo de D. João IV; nela se espelham ao vivo todos os principais problemas em que se debatia a administração interna e todo o jogo das forças sociais. Trata-se, em grande parte, de um panfleto desmascarador dos vários tipos de logro e irregularidade, ao longo dos diversos escalões da sociedade, desde os mendigos artificialmente chagados e das pequenas trapaças de artífice mecânico ou de regateira, até às grandes roubalheiras e compadrios do alto funcionalismo.”    

            E há ocasiões em que apetece debandar com Manuel Bandeira:

                     “Vou-me embora para Pasárgada

                     Aqui eu não sou feliz

                     Lá a existência é uma aventura...”

 

            E ocorre lembrar a determinada energia subjacente em José Régio, poeta de rotura da minha juventude, no seu Cântico Negro, dos Poemas de Deus e do Diabo:

                       “Vem por aqui – dizem-me alguns...

                       Eu tenho a minha loucura!...

                       Deus e o Diabo é que me guiam,

                       mais ninguém...

                       A minha vida é um vendaval que se soltou.

                       É uma onda que se alevantou.

                       É um átomo a mais que se animou...

                       Não sei por onde vou,

                       Não sei para onde vou,

                        - Sei que não vou por aí!”

 

            Mas a Mensagem de Fernando Pessoa mostra um caminho, pondo em evidência que “o mar sem fim é português... e faz a febre em mim de navegar”. E aponta como faroleiro D. João o Segundo, do qual

                         “Seu formidável vulto solitário

                          Enche de estar presente o mar e o céu.

                          E parece temer o mundo vário

                          Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu.”

           

            Pode, então, imprimir-se um grande sopro na força anímica, como ensina o mesmo Pessoa em O Mostrengo:

                           “O mostrengo que está no fim do mar

                            Na noite de breu ergueu-se a voar;

                            ...

                            E disse: Quem é que ousou entrar

                            Nas minhas cavernas que não desvendo,

                            Meus tectos negros do fim do mundo?

                            E o homem do leme tremeu e disse:

                            El-Rei D. João Segundo!

                            ...

                            E disse no fim de tremer três vezes:

                            Aqui ao leme sou mais do que eu:

                            Sou um Povo que quer o mar que é teu;

                            E mais que o mostrengo que me a alma teme

                            E roda nas trevas do fim do mundo,

                            Manda a vontade, que me ata ao leme,

                            De El-Rei D. João Segundo!”

 

 

          Ser descontente é ser homem. Apesar de ventos e marés, navegar é preciso!

sinto-me: muito subjectivo.
publicado por Zé Guita às 12:30
link | favorito
De A. João Soares a 31 de Março de 2007 às 11:37
Caro Amigo,
Um bom post. Mas talvez apenas acessível a letrados com tempo para digerir as ideias! E hoje, usa-se o fast food. Leitura fácil e rápida, de preferência sobre futebol e fofocas, com muita imagem e pouco texto!
E qual é o nosso papel neste palco? A maior parte dos portugueses recusa subir ao palco, mantendo-se na plateia, distraído, a pensar nas suas própria dificuldades e carências, anestesiado por promessas e propaganda mentirosa, sem forças para averiguar as causas e o que deve fazer pra melhorar a situação colectiva e individual. Sugiro a leitura de um novo blog que apresenta análises muito interessantes da actualidade «Alcobaça: gentes e frentes» Tenho o último post transcrito no Do Mirante e no Do Miradouro. No post anterior, sobre a UE, tem comentários de muito interesse, que se encaixam no tema deste seu post.
Tenha uma Páscoa Feliz


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