Terça-feira, 28 de Agosto de 2007

O GRITO DO GAJEIRO ao navegar entre escolhos

 

Navegar é preciso e – especialmente em mar revolto como é o das mudanças aceleradas, geradoras de fortes instabilidades – tanto as decisões do capitão da nave como a perícia do timoneiro e igualmente a sobrevivência dos marinheiros da mesma, para além das tecnologias do radar e do sonar, podem encontrar vantagem no olhar atento do gajeiro para garantir a boa navegação, quer se trate de embarcação civil quer seja navio de guerra.

Na busca de outras abordagens, a “gajeirice” do Zé Guita levou a reler a obra basilar da sociologia militar portuguesa da autoria de Maria Carrilho, FORÇAS ARMADAS E MUDANÇA POLÍTICA EM PORTUGAL NO SÉCULO XX, publicada em 1985 pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda. E numa reflexão iluminada pelo pecado do frade Savonarola – pensar e falar sobre o futuro – e viciada em “adivinhar perigos”, encontrou especial interesse na análise conclusiva desta autora sobre as “relações de poder civil-militares” e a “ocorrência das intervenções militares” no século XX.

Ousando reflectir sobre factos nem sempre evidentes no calor da conjuntura, recomendo vivamente a leitura cuidada do livro e não resisto a partilhar com os visitantes do Securitas, para juízos individuais e ponderadas avaliações institucionais, ressalvando devidamente o contexto, um extracto da respectiva conclusão:

 

“Passando à área das relações de poder civil-militares (...) As Forças Armadas, que foram impulsionadoras e protagonistas das grandes mudanças políticas no século XX em Portugal (especialmente em 1926 e 1974), foram também objecto de transformações por parte das autoridades governativas que substituíam as antecedentes no sentido de um controlo (...) A neutralização e esterilização política dos militares (...) veio a retorcer-se contra o próprio regime esterilizador. (...)

Considerando, finalmente, a ocorrência das intervenções militares que modificaram o curso da política portuguesa no século XX, verificamos (...) aspectos dignos de relevo:

1)     Organização:

Nas três épocas estudadas, nos períodos que antecedem as intervenções, regista-se perturbação organizacional (...) atribuível à responsabilidade das autoridades governativas.

2)     Profissão:

Constatamos, nos três períodos (...) descontentamento entre os oficiais (...) devido a ameaças extra-institucionais às condições de exercício da profissão (desde o ponto de vista técnico, económico, ao do prestígio profissional-institucional). Interferências graves por parte das autoridades governativas na zona de autonomia profissional (...) provocaram reacção de defesa dos interesses corporatistas militares.

3)     Relações civil-militares:

Tensão manifesta entre Forças Armadas e autoridades governativas (...) Os militares demonstram percepção da crise de legitimidade dos Governos, motivada pelo insucesso da política económica (1926), na política militar (1910; 1926; 1974), na política externa (1910; 1974), e pela ausência de verificação nacional (1974).

           

Cada uma ou mesmo várias das situações referidas (...) verificam-se em certos momentos ao longo do século, mas só nos períodos que precedem as intervenções militares se conjugam todas de forma particularmente clara. Podemos dizer que um baixo grau de eficiência organizacional global, um elevado grau de descontentamento profissional corporatista, a acentuação da tensão manifesta entre autoridades governativas e Forças Armadas aparecem, assim, em contextos caracterizados por deflação da legitimidade governativa, como factores que têm propiciado a intervenção dos militares no sentido de uma mudança do curso da política nacional.”

 

 

publicado por Zé Guita às 08:24
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Sexta-feira, 24 de Agosto de 2007

VIDA MILITAR X

 

 

A sociologia militar descreve os militares como detentores de instrumentos da violência colectiva, que administram organizadamente, e analisa as características do militar como tipo social.

Na nossa busca, não exaustiva e limitada à biblioteca pessoal, acompanhamos agora a obra “A Inserção das Forças Armadas na Sociedade”, de J. J. Brandão Ferreira, militar profissional, publicada em 2003. Aponta que a Instituição Militar repousa sobre um factor material e um factor espiritual. O primeiro é sustentado fundamentalmente pela Hierarquia, pela Disciplina e pela Organização. O segundo é enformado pela Ética e Deontologia Militares e pelas Virtudes Militares. Ambos, porém, subordinados ao farol da Missão, que tudo orienta e condiciona.

A Hierarquia organiza formalmente a força, sintetizando o sistema de transmissão das ordens, que se expressa dizendo que a organização militar tem por princípio a subordinação hierárquica. Esta concretiza-se através dos postos e das funções atribuídas, possibilitando uma dependência funcional, essencialmente técnica e consultiva, e permitindo punir ou louvar os executantes. A Disciplina é um dos pilares fundamentais para o funcionamento e a prontidão operacional da Organização Militar. Esta possibilita a articulação e o funcionamento de todos os órgãos constituintes, estabelece as relações de comando e funcionais e permite o emprego operacional dos seus elementos, necessitando de uma doutrina adequada e da regulamentação dos diferentes aspectos da vida castrense.

Os preceitos da Ética e da Deontologia Militares e as chamadas Virtudes Militares enformam a alma aos profissionais da Instituição Militar, procurando levá-los a imporem-se à sociedade pelo seu “valor, aprumo e conduta e a manterem-se, em todas as circunstâncias, homens de carácter, profissionais competentes e portugueses dignos”. Sendo um código moral, por vezes não escrito, semelhante a outros existentes, que se revela superior em exigência, a Deontologia distingue os militares profissionais de qualquer organização mercenária e indica-lhes o caminho da Virtude, da Honra e do Dever. “As virtudes militares são a expressão prática do recto procedimento, a essência que deve orientar o exemplo”, que uma vez adquiridas devem determinar o carácter do militar no cumprimento dos deveres castrenses. Em cada profissão há pelo menos um papel social, gerador de certas expectativas na sociedade. Com os militares, ninguém admite que possam ser cobardes, traidores ou desleais. A moral militar tem características próprias, sendo uma espécie de religião, com crenças patrióticas e militares; com sentimentos de patriotismo de afeição e de honra; com ritos de saudação à bandeira, honras militares, música e hinos; com as suas práticas de obediência, de trabalho, de higiene; com os seus santos e os seus mártires. Tal como o exercício físico fortifica os músculos e desembaraça os movimentos, as virtudes militares fundamentam o Espírito Militar e, sem cair no militarismo, temperam o carácter, permitindo a coesão, o valor e a solidez da força organizada.

Como explica Brandão Ferreira, as virtudes militares ou o culto da profissão e o espírito de corpo, quando exacerbados, podem provocar deformações no espírito militar, daqui resultando a criação dum espírito de casta, sobranceiro perante os civis, fechado sobre si mesmo, conducente ao isolamento face à sociedade e ao militarismo. O exagero do culto da disciplina pode levar ao desprezo da inteligência crítica; a simples repetição de ordens pode confundir serviço com tradição deslocada; a solidariedade e a camaradagem podem criar interesses comuns e degradar a noção de Honra; o culto da Honra pode levar à procura de honras; a franqueza, um tanto rude, pode resultar em menos polidez e civilidade.

Cada militar tem uma posição social na organização, atribuída por posto, antiguidade, especialidade e colocação, com as correspondentes expectativas de papel social e um status social que implica um conjunto de direitos, deveres e prestígio. A aceitação das normas de comportamento e a vivência de uma ideologia militar geram uma sub cultura específica, com vocabulário, gestos e postura próprios.

Os militares profissionais são parte de uma organização complexa e de grande dimensão, estável, conservadora e tradicional em tempo de paz e instável, inovadora e revolucionária em tempo de guerra. O meio militar não é democrático – no sentido em que o comando não é obtido por eleição e as decisões não dependem de votos – baseando-se na existência de unidade de doutrina e de princípios, respeito mútuo e regulamentação para todos. Não há um horário de trabalho mas antes um horário normal de trabalho, com disponibilidade permanente e ausência do conceito de horas extraordinárias.

As características próprias da Instituição Militar obrigam os militares a terem deveres, sujeições e restrições que não abrangem os demais cidadãos, daqui decorrendo a Condição Militar, que envolve deveres e exigências específicos, riscos e sujeições especiais, formas de vinculação exclusiva. A maiores deveres devem corresponder maiores direitos ou compensações diferenciadas ajustadas à servidão das obrigações profissionais.

 

( Ferreira, João José Brandão – A Inserção das Forças Armadas na Sociedade. Lisboa: Hugin, 2003.)

 

 

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publicado por Zé Guita às 23:28
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Sábado, 18 de Agosto de 2007

VIDA MILITAR IX

            Num livro de cunho panfletário intitulado A Tropa, que pretende relatar experiência e observação pessoal do serviço militar entre Junho de 1970 e Outubro de 1977, A. Luizello Alves afirma e procura demonstrar que o sistema militar se encontra em crise, assumindo uma visão crítica claramente de esquerda.

            Descrevendo e criticando largamente o serviço militar obrigatório em particular no exército, aborda também alguns aspectos da vivência dos militares profissionais.  Segundo este autor, os métodos militares de comando encontrariam fundamento muito mais na obrigação do que na adesão, acontecendo que, sobretudo nas unidades de elite, quadros bastante “militarões” fariam vigorar um estado de espírito muito militarista e sectário. Sendo o efectivo enquadrado por pessoal de carreira, isto é, profissionais, o estilo de comando caracterizava-se pelo respeito absoluto em relação ao princípio hierárquico. Pondo em relevo o facto de os militares se exprimirem pouco e evitarem fazê-lo sem prévia submissão ao controlo superior; acrescendo a sua não participação na vida política; apontava um grande imobilismo à vida militar.

            Luizello Alves considera que “A condição militar actual é fonte de frustração, mal-estar e inquietação”, mantendo tradições ultrapassadas, demarcando-se dos civis, recusando renovar os métodos de comando e os ritos militares, formando os quadros com o espírito do passado. O exército não teria sabido evoluir, uma vez que embora fazendo a revolução técnica – sem reconhecer a preponderância do factor humano – não passou pela revolução cultural. Aqui, questiona a formação dos militares profissionais e os seus educadores.

            Para este autor - em linha com o mito do super-homem de Nietzsche - a formação militar e os seus educadores sofrem a influência do modelo tradicional, marcado pelas qualidades do cavaleiro e com forte sentido da disciplina e do dever, persistindo em glorificar a vocação de chefe de alguns e a submissão para a obediência dos executantes.

            O autor reconhece que a instituição militar se baseia “muito mais no princípio hierárquico e no sentido da disciplina, em todas as circunstâncias, do que na iniciativa e na imaginação”, mas daqui resulta haver oposição e tensão permanentes entre tais aspectos da personalidade de base. O princípio da hierarquia e a iniciativa são conciliáveis pela limitação do militar a um sistema de valores específico, estável e muito simples: ordem, disciplina e serviço.

            O carácter e a disciplina encontram síntese ao conceber o cumprimento da missão, com maior peso para a disciplina e com apertados limites para a iniciativa.

            As escolas militares, com a pretensão principal de formar o carácter, isolariam os formandos da sociedade civil, o que tornava necessária a sua reforma e esta passaria por abrir o ensino militar à luz do exterior.

            Numa visão característica do chamado “período revolucionário em curso”, a propósito do controlo permanente da instituição militar pelo poder político, interroga-se sobre a criação de comissários para as forças armadas a designar pelos diferentes grupos políticos.

            Sobre a opinião pública acerca dos militares, descreve-a como vendo nestes preguiça, falta de inteligência, espírito de rotina, brutalidade, mesquinhez. E aponta como forma de criar um melhor estado de espírito, promover uma melhor atmosfera, aproximando a vida militar da vida civil, expulsando a berraria dos graduados, difundindo música, decorando os corredores, multiplicando os jornais de parede. Quanto ao cerimonial e aos rituais, não sendo necessariamente condenáveis, deveriam ser reduzidos ou ser-lhes atribuído diferente significado. E conclui em jeito profético ser defensável para um moderno futuro próximo “uma estratégia de não-violência ou de desarmamento”.

 

 Alves, Armando Luizello – A Tropa (Também Há Quem lhe Chame O Exército). Lisboa: Delfos, 197(8?). 

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publicado por Zé Guita às 09:55
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Sábado, 11 de Agosto de 2007

VIDA MILITAR VIII

 

            Em 1960, na sua obra fundamental para a sociologia militar, ao perspectivar o futuro da profissão militar, Janowitz aponta a necessidade de os soldados se adaptarem equilibradamente às armas convencionais e às modernas, preparando-se para enfrentar novos tipos de guerra. Assim, deveriam os militares redefinir os seus requisitos profissionais, tendo em atenção que “o uso da força nas relações internacionais foi alterado de tal maneira que parece apropriado falarmos antes de forças policiais que militares.” Em termos práticos, a força militar em prontidão permanente transformar-se-ia em força policial.

            No dizer do autor, a concepção policial instala-se, ao reconhecer a existência das dimensões estratégicas de guerra e das tácticas de guerra limitada, dificultando distinguir a actuação na guerra e na paz.

            “O soldado profissional resiste a identificar-se com a polícia, e a profissão militar tem lutado para se distinguir da polícia interna. ... O militar tende a considerar as actividades policiais como sendo de menor prestígio e menos honrosas”. Para Janowitz a concepção policial não se refere à função policial na segurança interna, sucedendo que por este caminho haveria prejuízo para o conceito policial nas relações internacionais. Refere a propósito que o militar profissional de uma força policial deve estar preparado para suportar as pressões que resultam de situações constantes de tensão e alerta.

 

(JANOWITZ, Morris – O Soldado Profissional. Rio de Janeiro: Edições GRD, 1967.)     

 

 

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publicado por Zé Guita às 09:24
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Sexta-feira, 10 de Agosto de 2007

Para geninho rasca

 

Sendo militar profissional, e fazendo parte de um corpo especial de tropas de natureza militar, seria excessivamente rasca não conhecer a fundo a vida militar...

Tal esforço não invalida a perícia no exercício da função polícia.

publicado por Zé Guita às 20:14
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Terça-feira, 7 de Agosto de 2007

VIDA MILITAR VII

 

            Morris Janowitz defende que a profissão militar implica todo um estilo de vida muito próprio, cuja apertada regulamentação coloca em relevo a coesão grupal, a lealdade e o espírito marcial. A eficiente manutenção da doutrina neste sentido é facilitada pela vivência socialmente fechada dos militares, a qual ajudou a manter as características e valores que lhes são próprios, mesmo perante as mudanças tecnológicas e políticas que foram ocorrendo.

            Tal continuidade torna-se possível devido aos poderes auto-normativos das organizações militares sobre os seus membros, transcendendo em muito as normais condições de trabalho. Porém, embora persistam, as normas tradicionais de comportamento já não são tão efectivas como no passado, em virtude do aumento de contactos e relações com civis, da influência de novos modelos e do surgimento de novos papéis desempenhados por militares.

            Nas sociedades modernas, caracterizadas pela livre iniciativa, as remunerações monetárias dos militares profissionais não conseguem competir com as do sector privado, o que origina tensões. Daqui o surgimento de alteração possível nos compromissos para com a profissão, os quais se tornam mais dependentes de um estilo de vida e da crença na sua superioridade. As organizações militares assumem responsabilidades cada vez maiores sem a correspondente compensação; os profissionais militares, incluindo os de grande gabarito, ganham pouco face aos seus equivalentes civis; os benefícios marginais compensatórios para a vida dura dos militares são prejudicados (disponibilidades para o lazer, sistema de pensões, conceito de reforma, idade da reforma). Nada, porém, significa que a comunidade militar profissional tenha renunciado a manter a aspiração de um certo estilo de vida e a bater-se esforçadamente na defesa dos seus padrões.

            O estilo de vida dos militares profissionais inclui grande atenção a normas de etiqueta e cerimónia nas relações pessoais. Indivíduos que trabalham em ambiente de forte proximidade interessam-se pelos camaradas e desenvolvem “os conceitos de honra e de espírito marcial (que) estão fundamentados em rituais de companheirismo.” Parte destes rituais são um meio para controlar a ansiedade subjacente ao perigo de morte próprio da profissão, que é especial. “A concepção civil do militar como um brutamontes que usa palavrões é anacrónica... Talvez ainda seja correcto praguejar – na verdade, necessário – mas o oficial deve saber quando isto não é permissível.”

            A honra militar é um meio e é um fim, atendendo uma ampla diversidade de motivos pessoais e sociais, a que toda a profissão militar está obrigada O pouco tempo de permanência nas fileiras, o alargamento da base de recrutamento, as motivações carreiristas, as auto-críticas desgastantes, as pressões civis contribuem para enfraquecer e causar danos à importância da honra.

            O código de honra militar baseia-se em quatro componentes fundamentais:

- O cavalheirismo, não sendo admissível conduta injuriosa e infame num militar profissional; implica o tratamento correcto dos prisioneiros, a etiqueta social e a rejeição do lucro monetário como valor pessoal supremo.

- A fidelidade pessoal, assumindo a lealdade a uma posição formal de comando.

- A fraternidade, concretizada em intensa lealdade grupal.

- A busca da glória, prosseguindo realizações históricas, racionalizando sobre o interesse público.

            Entretanto, as tensões institucionais e sociais que têm surgido nos ambientes militares afectam também alguns aspectos da honra militar. Mas “numa sociedade democrática é totalmente impróprio que a honra seja o único, ou mesmo o mais importante, valor dos militares profissionais. Convém que ela seja combinada e condicionada ao prestígio público e ao reconhecimento popular. Aos militares devem ser concedidos suficiente prestígio e respeito que garantam um sentimento de auto-estima.

Muitos militares profissionais estão convictos de serem menos belicosos do que os seus equivalentes civis, sendo em grande número os que acreditam mesmo assumir o papel de verdadeiros guardiães nacionais, uma vez que dedicam a sua vida por inteiro ao serviço do país.           

       

(JANOWITZ, Morris – O Soldado Profissional. Rio de Janeiro: Edições GRD, 1967.)     

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Sábado, 4 de Agosto de 2007

VIDA MILITAR VI

 

            Janowitz dedica um capítulo da sua obra a analisar as motivações profissionais dos militares nos EUA, durante a primeira metade do século XX. Considera que, nalguns estratos da população, uma vez que prevalecem os valores comerciais e empresariais, é por vezes considerada medíocre a escolha de uma carreira militar. Muitos militares, pelo contrário, consideram que as suas carreiras realizam algo como uma missão especial, sendo muito mais que um simples emprego.

            Segundo este autor, escolher uma carreira militar resulta da conjugação de ter oportunidade com factores sociais e de personalidade.

            Questionando sobre poder tratar-se mais de uma predominância da capacidade de inteligência do que de motivação, baseando-se em estudos sobre a matéria, afirma que não basta atender às qualificações intelectuais nem às realizações académicas. Verifica-se que, se em muitos casos a carreira militar representa um caminho seguro, protegido e promissor, noutros percursos foi fruto de uma decisão fortemente assumida, semelhante a uma vocação. Frequentemente, a influência familiar proporciona um ambiente em que ser soldado é uma honra e favorece a escolha de uma carreira militar. Sobretudo nos meios rurais e nas famílias dele oriundas, considera-se que tanto ou mais glorioso do que obter lucros no mercado é viver “as virtudes do valor físico, do protocolo social e um ideal geral de serviço à comunidade”.

            A investigação realizada junto de militares que haviam atingido o topo da carreira aponta os motivos da escolha feita: tradição familiar ou social; procura de educação e progresso social; experiência num meio militar; e sonho ou ambição juvenil. Acrescem o sentimento de militar numa função vital para a sociedade; a oferta de um nível pessoal respeitável em tempo de paz; e uma carreira activa, de tipo atlético.

            Os dados disponíveis para os EUA em 1950 atestavam claramente que a vida militar era, mais do que uma simples ocupação, uma oportunidade para satisfazer fortes motivações. No entanto, podia igualmente notar-se o desenvolvimento do interesse pela possibilidade de uma educação gratuita nas escolas militares, somada às condições de emprego, configurando uma orientação para o carreirismo. A investigação demonstrava nessa altura que era maior o número dos carreiristas do que o daqueles que tinham entrado por vocação. O autor destaca que entre os carreiristas a importância do serviço público não é um fim em si mesmo, mas apenas um factor entre outros.

(JANOWITZ, Morris – O Soldado Profissional. Rio de Janeiro: Edições GRD, 1967.)      

 

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publicado por Zé Guita às 13:41
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Quarta-feira, 1 de Agosto de 2007

VIDA MILITAR V

           

            Sendo certo que uma grande parte do pessoal militar apenas realiza tarefas e operações administrativas e logísticas, acontece, porém, que é o combate a determinar a estrutura organizacional das unidades da instituição.

            Segundo Janowitz, “Para ser eficaz, a liderança militar deve esforçar-se por inculcar em toda a organização militar a estrutura organizacional das unidades de combate. Compreender a lógica da autoridade militar significa compreender os actos de comandantes de combate, muito embora estes constituam uma minoria. Em teoria, as operações militares são melhor servidas por uma organização hierárquica que possa efectuar a coordenação das suas complexas unidades. Na prática, a manutenção da iniciativa em combate tornou-se uma necessidade mais crucial do que a rígida observância da disciplina.”

Com a evolução tecnológica das armas, a iniciativa individual do militar tornou-se desejável, evidenciando-se que o exercício da disciplina autoritária não garante a coordenação de um complexo agrupamento de especialistas cujos objectivos passam pela eficiência técnica. Daqui resultou um declínio do autoritarismo e a supremacia de novos factores de disciplina, como cita o mesmo autor: auto-respeito, liderança, eficiência, motivação, produtividade, lealdade, moral, espírito de corpo e sentido de missão. Acresce a conveniência em utilizar as técnicas da dinâmica de grupo e da psicologia.

“Hoje, os líderes devem continuamente demonstrar a sua competência e capacidade técnica, para que possam comandar sem recorrer a sanções arbitrárias e extremas”. A antiga autoridade formal passou a estar condicionada pelas qualidades dos profissionais que a ela se submetem, pelo que a instituição militar tem procurado aplicar cientificamente as técnicas das relações humanas.

Janowitz chama a atenção para o facto de, apesar de o combate ter um carácter episódico, nas instituições militares esta mesma finalidade do combate e a sua preparação para a intervenção imediata imporem um forte sentimento de urgência e estimularem a existência de uma autoridade militar efectiva.

Há que reconhecer a existência de tensões na vida militar, mas que não significam o perpetuar da velha ordem. Tais tensões exteriorizam-se, com dificuldades de serem entendidas pelos civis, na manutenção de forte ritualismo. Este, além de poder constituir uma defesa contra a ansiedade, constituirá também um modo de conjugar tradição com inovação. Uma certa nostalgia pelo passado expressa-se na forte tendência para o cerimonial: a espada, a ordem unida, os desfiles. Tais características contribuirão para a auto-estima e para a solidariedade organizacional.  

 

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publicado por Zé Guita às 10:02
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