Quinta-feira, 24 de Abril de 2008

O RENASCER DAS GENDARMERIAS

          O modelo gendármico assenta em três ideias força: a polivalência, a proximidade e a continuidade. A polivalência realiza-se, por um lado, através da extrema diversidade das missões que desempenha, relacionadas com a segurança interna e com a defesa; por outro lado, a instituição situa-se na primeira linha de serviço público, confrontando-se em termos imediatos com os mais variados fenómenos de crise. Quanto à ideia de proximidade, ela está associada à própria fundação da gendarmeria, sendo desde sempre praticada através do chamado policiamento geral efectuado pelas patrulhas baseadas no posto territorial e que privilegia o contacto estreito com as populações e o conhecimento profundo dos lugares e das pessoas. No que respeita à continuidade, a acção consiste em garantir o serviço público em todas as circunstâncias, funcionando como interface entre a defesa e a manutenção da ordem, entre a segurança externa e a segurança interna do território, representando a soberania do Estado.

Com o fim da guerra-fria , gerou-se forte instabilidade, que muito se agravou sobretudo a seguir aos acontecimentos de 11 de Setembro nos EUA. A situação de segurança sofreu profundas modificações: alterou-se o quadro de perigosidade de algumas ameaças e subiu quase exponencialmente o grau de risco nalguns casos, como o terrorismo, a proliferação de armas de destruição maciça, a criminalidade organizada; a desterritorialização das ameaças, mais difusas, com grande vantagem na surpresa, envolvendo actores não governamentais, potenciou a convergência crescente entre segurança interna e segurança externa; aumentou a ambiguidade na classificação entre situações de guerra ou de criminalidade, adensando o peso de uma área cinzenta entre guerra e paz. Tudo contribuindo para colocar em relevo o crescimento significativo da importância das forças de segurança intermédias, tipo gendarmerias. Considerando o seu estatuto normalmente militar, abstemo-nos de utilizar aqui a adjectivação de “militarizadas” e “paramilitares”, que alguns autores empregam, dado não haver unidade conceptual na sua utilização nem mesmo um padrão preciso de força tipo gendarmeria e atenta a consequente ambiguidade. Certo é tratar-se de forças de polícia com certas características castrenses e algumas capacidades militares.

Acompanhando a abordagem de Derek Lutterbeck (Between Police and Military), acresce que as gendarmerias têm vindo a desempenhar um papel cada vez mais proeminente em duas áreas principais: na segurança das fronteiras, sendo mobilizadas para combater actividades que vão desde os mais variados tráficos até ao terrorismo internacional; e nas operações de apoio à paz, em que são vistas como instrumentos de importância crescente no que respeita a segurança interna ou tarefas de manutenção da ordem pública. Tal deve-se ao seu estatuto intermédio, que combina as características de força militar e policial e as torna especialmente apropriadas para lidar com altos riscos e desafios emergentes. E isto apesar de existirem analistas que têm uma visão das forças de polícia “militarizadas” como associadas a tendências autoritárias ou repressivas e como ameaças às liberdades civis. Contudo, argumenta-se que, apesar do seu estatuto anómalo, tais forças ganharam tremenda importância recentemente.

Ganha relevo a situação em Estados com dualidade policial, como França, Itália; Espanha; igualmente são apontados outros casos europeus, como Polónia, Hungria, Estónia, Suiça; e mais ainda os casos da BGS, Polícia de Fronteira da Alemanha Federal, e da Polícia de Fronteira dos EUA, que nos últimos anos praticamente dobraram a dimensão e aumentaram as competências. Verifica-se, assim, uma tendência geral tanto na UE como nos EUA para envolver forças tipo gendarmeria na segurança das áreas de fronteira, incluindo a marítima, por vezes acompanhada por uma expansão massiva destes corpos. O principal impulso deste desenvolvimento tem sido a crescente preocupação com as ameaças internacionais da imigração ilegal, do tráfico de droga, do terrorismo.

Importante neste ponto de vista é o conceito de segurança que tem vindo a ser adoptado pelas gendarmerias, as quais, dado o seu estatuto intermédio e face ao aumento de desafios à segurança, deixam de distinguir entre as áreas da segurança interna e da segurança externa, abrangendo ambos os campos e enfatizando a dimensão externa da segurança interna. Uma vez que predominam as ameaças transnacionais, as gendarmerias advogam um conceito compreensivo de segurança, que abrange os ambientes interno e externo. Com um pé em cada um destes domínios, considera-se que elas são particularmente adequadas para enfrentar desafios internacionais como o terrorismo e os tráficos.

A segunda das grandes áreas em que se destaca ultimamente o papel das gendarmerias é a das operações de apoio à paz, as quais têm aumentado em número e evoluído em natureza a partir do início dos anos noventa. Estas preocupam-se cada vez mais com segurança interna ou tarefas de ordem pública, focando as suas actividades, para além da monitorização do cessar-fogo, também no controlo de multidões, no combate ao crime organizado, na protecção aos refugiados e na reorganização das polícias locais. Ou seja, envolvendo-se cada vez mais em tarefas de polícia, o que implica incapacidades e mesmo alguma relutância por parte de forças apenas militares. Notável é a popularidade que as forças tipo gendarmeria ganharam nas missões multilaterais de manutenção da paz, tendo passado a ser consideradas como uma espécie de panaceia para enfrentar muitos desafios no desenrolar dos conflitos e desempenhando um papel cada vez mais saliente. É citado como exemplar o caso de Timor-leste. A importância crescente das gendarmerias a nível internacional veio a institucionalizar-se, inicialmente através dos acordos FIEP, para desenvolver a colaboração e a coordenação entre gendarmerias, e em seguida na organização da EUROGENDFOR, que criou uma força de polícia europeia para intervenção rápida, com algumas características militares, bem como meios adequados a uma natureza mais robusta, com capacidade para actuação policial muito diversificada em ambientes altamente hostis. O aumento da popularidade das forças de polícia com estatuto militar em operações de manutenção da paz está também relacionado com a sua dupla dependência e consequente interoperabilidade, uma vez que pode ser dirigida pelo poder civil ou comandada no âmbito estritamente militar. Também aqui as gendarmerias assumem um conceito de segurança que reflecte a proeminência da característica intermédia do policiamento numa situação pós-guerra, numa espécie de zona cinzenta entre a guerra e a paz.

          Dado que tanto interna como externamente as questões de segurança continuam a convergir entre a guerra e a criminalidade, é previsível que nos próximos tempos as forças tipo gendarmeria ganharão mais importância, que se traduzirá na sua actualização e em reforço orçamental. A preocupação crescente com os desafios internacionais à segurança parece provir da natureza particularmente perigosa das organizações criminosas transnacionais, o que leva à necessidade de dispor de corpos policiais mais robustos, com natureza e alguns meios militares e uma função residual de defesa.

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publicado por Zé Guita às 11:06
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Quinta-feira, 10 de Abril de 2008

PERCEPÇÃO E EXPECTATIVAS FACE À CRIMINALIDADE

 

 Roché afirma e demonstra que “O sentimento de insegurança é um processo de leitura do mundo circundante. Apodera-se dos indivíduos como um síndroma de emoções - medo, raiva, ciúme - cristalizadas acerca do crime e dos seus autores. Como qualquer leitura, o sentimento de insegurança é redutor.” Antes de mais, ele mostra que não é necessário ter sido o próprio vítima ou ter tomado contacto directo com uma vítima, um primeiro elemento que tende a provar que não se trata de uma simples leitura da realidade mas de um modo pessoal de interpretação. ... Igualmente tem um contributo importante para o aumento de dimensão do sentimento de insegurança o facto de numerosos delitos não serem esclarecidos e os seus autores ficarem impunes, dando lugar a que se instale junto de muitos cidadãos o sentimento de terem pouco a esperar das forças públicas encarregadas de garantir a segurança.

            Estes importantes elementos mostram como um sentimento de insegurança se constrói, nos indivíduos, a partir de factos mas também em função do modo como se apresentam, da sua representação por uma interpretação que põe em jogo vários factores psico-sociais.

           ...

            Um dos aspectos que, certamente, muito contribui para gerar insegurança é o medo do crime. Na sequência deste juízo, e acompanhando o fruto de trabalhos de investigação sobre a matéria, tem vindo a ser evidenciado que a criminalidade e os problemas com ela relacionados se constituem como factos sociais da maior importância, originando fortes perturbações da ordem social e indo mesmo ao ponto de desenvolver formas estruturantes de pensar e de agir.

            Contributo muito válido para uma melhor compreensão dos motivos que estão na origem do aumento da insegurança objectiva e subjectiva em largas camadas da população portuguesa é o livro “Crime e Insegurança em Portugal”, do sociólogo Eduardo Viegas Ferreira, que passamos a citar: “O crime constitui, sem dúvida, um dos fenómenos contemporâneos que mais têm contribuído para um aumento dos níveis de ansiedade e de insegurança existentes na sociedade portuguesa. O que é curioso, no entanto, é a razão pela qual fenómenos tão ou mais perturbadores, como o desemprego, os acidentes rodoviários ou o aumento de doenças infecto-contagiosas, não tendem a induzir, quando comparados com o crime, níveis tão elevados de ansiedade e de insegurança. A criminalidade provoca, é certo, elevados prejuízos materiais e, fundamentalmente, consequências físicas e psicológicas que contribuem para uma acentuada redução dos níveis de qualidade de vida das pessoas. É que, para além dos danos materiais que provoca, o crime tende a fazer aumentar sentimentos de medo e de desconfiança que inviabilizam, por sua vez, a existência de valores e de práticas fundamentais de sociabilidade e de solidariedade social. No entanto, as mesmas consequências resultam invariavelmente de uma incapacidade física ou de uma situação prolongada de doença ou de desemprego.”

            Eduardo Ferreira acrescenta, como explicação para tal diferença, o facto de os crimes, ao contrário dos acidentes, não serem encarados como uma fatalidade, mas sim como agressões intoleráveis aos valores, às leis e normas em vigor na ordem social estabelecida, promovendo o caos e a desordem. Acentua ainda o referido autor que “As conjunturas marcadas por uma elevada instabilidade socioeconómica e cultural e, consequentemente, por incertezas quanto ao sentido da vida e do mundo, tal como ele existe, sempre provocaram, entre outras consequências, um maior desejo de segurança.” Encarando a intolerância ao crime como um dado adquirido, expectativas subsequentes são a repressão severa dos criminosos e a sua recuperação. Quando tais expectativas são frustradas, parece natural o aumento da insegurança. A este segue-se a atribuição de responsabilidades por múltiplos problemas sociais aos criminosos, que actuam impunemente, e aos sistemas de polícia e de justiça, que se revelam ineficazes. De qualquer modo, subsistem como promotores da insegurança quer a ocorrência de criminalidade quer a ocorrência de conjunturas socioeconómicas e culturais.

Excertos do estudo "Porquê a INSEGURANÇA? II".

Revista PELA LEI E PELA GREI, Jan/Mar 2000.

Autor Armando Carlos Alves.

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Terça-feira, 1 de Abril de 2008

MOSTRAR SERVIÇO

         

          Face à criminalidade violenta, a pressão dos OCS junto dos corpos de polícia e a conveniência de informar e  apaziguar as opiniões públicas, de modo a manter a sua confiança, leva estes últimos a virem para os media "mostrar serviço."  Acresce algum efeito dissuasor  junto dos delinquentes. Até aqui, tudo bem.

 

          Acontece, porém, com demasiada frequência, que a  "boa vontade" dos agentes da autoridade e a "pesquisa" dos jornalistas acabam por proporcionar ao público relatos mais ou menos pormenorizados das tácticas e das técnicas utilizados para obter sucesso em certos casos. O lado rocambolesco das coisas tem largas audiências.

           Convém lembrar que, sobretudo a seguir aos atentados de 11 de Novembro de 2001, estamos a viver uma autêntica revolução em termos de segurança:

- verifica-se uma radicalização da delinquência e da violência;

- os delinquentes adaptam os seus modos de actuar às tácticas e técnicas da segurança;

- os criminosos são radicais no enfrentamento dos agentes da autoridade.

          Delinquentes e criminosos também têm acesso aos media. E não são incapazes de tirarem ensinamentos das medidas de segurança e combate e de adoptarem contra medidas. 

 

   

 

  

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publicado por Zé Guita às 11:43
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