Segunda-feira, 27 de Abril de 2009

POLÍCIA E PODER DISCRICIONÁRIO - IV

 

 
“As regras gerais sobre polícia, que são expressão de valor constitucional, e que a LSI qualificou como princípio fundamental, entrecruzam-se e fazem sentido no âmbito da actividade de segurança interna, assumindo portanto uma forte ligação à ideia de garantia do cumprimento das leis, em geral, e de respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, em particular.
No Estado de direito democrático a função de prevenção de perigos para a segurança pública na base de regras gerais sobre polícia, constitui um mandato que se confere à polícia para que esta resguarde e preserve a ordem jurídica como um todo, ou para usar a terminologia constitucional, para que a polícia defenda a legalidade democrática.” (Eurico João Silva, 2003)
  
Considerando as organizações policiais como corpos especiais da Administração Pública e tendo em conta a doutrina sobre o poder discricionário desta, está indicado lembrar a legislação específica contida na lei da Segurança Interna portuguesa, que configura o poder de polícia ao estabelecer com alguma minúcia o que designa como “medidas de polícia”.
Assim, começa por proclamar como princípios fundamentais da Segurança Interna que a actividade desta se pauta pela observância dos princípios do Estado de direito democrático, dos direitos, liberdades e garantias e das regras gerais sobre polícia; e que as medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário e obedecendo a exigências de adequação e proporcionalidade.
Em seguida, enumera e descreve sucintamente como medidas de polícia: a identificação de pessoas suspeitas que se encontrem ou circulem em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial; a interdição temporária de acesso e circulação de pessoas e meios de transporte a local, via terrestre, fluvial, marítima ou aérea; a evacuação ou abandono temporários de locais ou meios de transporte; a remoção de objectos, veículos ou outros obstáculos colocados em locais públicos sem autorização que impeçam ou condicionem a passagem para garantir a liberdade de circulação em condições de segurança. E estabelece ainda as seguintes medidas especiais de polícia: a realização, em viatura, lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, de buscas e revistas para detectar a presença de armas, substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos, objectos proibidos ou susceptíveis de possibilitar actos de violência e pessoas procuradas ou em situação irregular no território nacional ou privadas da sua liberdade; a apreensão temporária de armas, munições, explosivos e substâncias ou objectos proibidos, perigosos ou sujeitos a licenciamento administrativo prévio; a realização de acções de fiscalização em estabelecimentos e outros locais públicos ou abertos ao público; as acções de vistoria ou instalação de equipamentos de segurança; o encerramento temporário de paióis, depósitos ou fábricas de armamento ou explosivos e respectivos componentes; a revogação ou suspensão de autorizações aos titulares dos estabelecimentos referidos na alínea anterior; o encerramento temporário de estabelecimentos destinados à venda de armas ou explosivos; a cessação da actividade de empresas, grupos, organizações ou associações que se dediquem ao terrorismo ou à criminalidade violenta ou altamente organizada; a inibição da difusão a partir de sistemas de radiocomunicações, públicos ou privados, e o isolamento electromagnético ou o barramento do serviço telefónico em determinados espaços.
 
A mesma lei da Segurança Interna estabelece como modo para controlar tais medidas a aplicação do princípio da necessidade; do dever de identificação dos agentes e funcionários de polícia não uniformizados; da competência para determinar a aplicação; da obrigatória comunicação ao tribunal competente.
 
É imediata a constatação da amplitude e da complexidade das medidas de polícia enunciadas. Menos fácil, sobretudo para quem não conheça em pormenor as características da actuação dos agentes policiais no terreno, é realizar a adequação da Lei escrita à sua aplicação prática na rua. Esta envolve muitas vezes a utilização de poder discricionário.
 
sinto-me: Orientado
publicado por Zé Guita às 09:44
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Quarta-feira, 22 de Abril de 2009

POLÍCIA E PODER DISCRICIONÁRIO - III

 

Com a ressalva de pretendermos realizar uma abordagem não especificamente jurídica, eis uma visão geral orientadora do Direito sobre o poder discricionário da Administração, adaptada a partir de um texto colhido na Net (Apontamentos de Octávio Manuel Gomes Alberto):
A regulamentação legal da actividade administrativa apresenta-se ora precisa ora imprecisa. Umas vezes a Administração não tem qualquer margem para exercer uma liberdade de decisão; outras vezes, a lei deixa uma grande margem de liberdade de decisão à Administração Pública. E é esta que tem de decidir segundo os critérios que em cada caso entender mais adequados à prossecução do interesse público. Tem-se portanto, num caso actos vinculados, no outro caso actos discricionários, ou seja, as duas formas típicas pelas quais a lei pode modelar a actividade da Administração Pública.
A doutrina distingue a perspectiva dos poderes da perspectiva dos actos da Administração. Na óptica dos poderes, é citada e aceite como correcta a definição de Marcelo Caetano: “o poder é vinculado na medida em que o seu exercício está regulado por lei. O poder será discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titular, deixando-lhe liberdade de escolha do procedimento a adoptar em cada caso como mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere”. Na perspectiva dos actos, diz-se que estes são vinculados quando praticados pela Administração no exercício de poderes vinculados, e que são discricionários quando praticados no exercício de poderes discricionários.
Nota-se que quase todos os actos administrativos são vinculados em relação a certos aspectos e, simultaneamente, discricionários em relação a outros. Sublinha-se ainda que nos actos discricionários é sempre vinculativo o fim do acto administrativo. Não sendo total, a discricionariedade respeita à liberdade de escolher a melhor decisão para realizar o fim visado pela norma. Esta, quando estabelece um poder discricionário, confere-o para um certo fim: se o acto pelo qual se exerce esse poder for praticado com a intenção de prosseguir o fim que a norma visou, este acto é legítimo; se o acto for praticado com um fim diverso daquele para que a lei conferiu o poder discricionário, o acto é ilegítimo.
O fim é sempre vinculado no poder discricionário. A decisão a tomar no exercício do poder discricionário é livre em vários aspectos, mas não é nunca quanto à competência, nem quanto ao fim a prosseguir. Em rigor, não há actos totalmente discricionários.
Acontece que há casos em que a lei procura regular todos os aspectos de actuação da Administração Pública e, então, trata-se da mera aplicação da lei ao caso concreto. Porém, em muitos casos tal não é fácil de regular em pormenor e portanto obriga a permitir alguma liberdade de decisão por parte dos executantes.
O poder discricionário, enquanto poder administrativo, não é um poder inato, é um poder derivado da lei: só existe quando a lei o confere e na medida em que a lei o confira, sendo controlável jurisdicionalmente.
O princípio da legalidade deve presidir à actuação. No entanto, segundo Maria P. Gouveia de Andrade, “não pode deixar de entender-se que há sempre um mínimo de discricionariedade administrativa no que ao momento da prática do acto concerne, salientando-se que aos tribunais administrativos não é possível controlar esta discricionariedade a não ser que exista desvio de poder”. Ainda assim, os agentes da Administração Pública são responsabilizáveis pelos seus actos, podendo assumir responsabilidade civil, disciplinar ou mesmo criminal.
 
sinto-me: Preocupado
publicado por Zé Guita às 06:52
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Sexta-feira, 17 de Abril de 2009

POLÍCIA E PODER DISCRICIONÁRIO - II

 

Liminarmente, há que estabelecer a diferença entre poder arbitrário – procedente do livre arbítrio, da vontade, da opinião, consistindo na livre escolha sem regras – com um sentido despótico; e poder discricionário – capacidade para discernir, distinguir, apreciar – no sentido de avaliar bem. É claro que o primeiro é de afastar, pois tem a ver com autoritarismo, pode levar ao abuso de autoridade e mesmo a cometer infracções graves. Mas o poder discricionário, embora nem sempre previsto nos normativos, é frequentemente de necessária utilização quando da prática policial no terreno.
 
              Com Aristóteles e Platão as ideias e os conceitos desenvolvem-se, evoluem e consolidam-se duas grandes realidades: de um lado, a polícia como conjunto das leis e regulamentos que respeitam à administração geral da cidade; de outro lado, a polícia como actividade organizada dos “guardas da lei”.
A polícia é uma forma de acção colectiva organizada que adopta modelos funcionais característicos da administração pública e, muitas vezes, das organizações militares.
 
Historicamente, entre nós, o conceito de polícia foi entendido como “aquela parte da Administração que tem por objecto a manutenção da ordem pública e a segurança individual”. No direito administrativo moderno, a polícia é “a intervenção administrativa da autoridade pública no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais…” Trata-se pois de uma intervenção administrativa da autoridade regida pelo poder político do Estado.
A administração pública é entendida como a ciência e a arte de governar o Estado, desempenhadas por conjuntos de funcionários encarregados dos diversos serviços públicos. As organizações de polícia são consideradas corpos especiais da Administração Pública.
 
 
sinto-me: Interessado
publicado por Zé Guita às 11:49
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Segunda-feira, 13 de Abril de 2009

POLÍCIA E PODER DISCRICIONÁRIO

          Analisar o trabalho policial no dia a dia implica enfrentar uma realidade cheia de armadilhas. Por um lado, porque a imagem pública do agente policial se apresenta muito marcada pelas ficções do cinema e da televisão - que desenvolve a representação do agente herói -  a qual influencia as motivações e  provoca frustrações em  muitos polícias; por outro lado, verifica-se que as organizações policiais se conretizam de modo  formalista e  muito centralizado -  segundo o modelo em que "uns mandam e outros obedecem" - ocasionando resistências e reivindicações corporizadas em movimentos sindicalistas.

            Asssim, trabalhos de investigação realizados no seio de corpos de polícia anglófonos mostram como em algumas organizações policiais se verificam dissenções internas, sobretudo quando há tarefas diferentes e especializadas que podem levar a comportamentos diferenciados por parte dos agentes policiais.

            Acresce destacar o facto de o comportamento dos agentes policiais na rua ser muito condicionado pelos factores próprios do ambiente em que actuam no momento, designadamente as condições de segurança individual e a interação com outros intervenientes. Longe de serem meros autómatos no estrito cumprimento das leis, regulamentos e directivas,  os patrulheiros que trabalham directamente no terreno, frequentemente isolados, de facto, desempenham a sua função com autonomia, uma vez que se encontram confrontados com a necessidade de interpretar e resolver as situações concretas

            Embora juridicamente enquadrado, o trabalho do patrulheiro é bastante influenciado pelo senso e pela capacidade de iniciativa individuais. Face ao evoluir da conjuntura no tocante à segurança pública, tal constatação leva a considerar oportuno reflectir sobre a controversa e entre nós quase ignorada questão geralmente rotulada como  "poder discricionário".

 

              

sinto-me: Curioso
publicado por Zé Guita às 10:57
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