“Pola Lei e Pola Grey” foi a divisa de D.João II ao tomar o poder, apoiado nas ruas pelo povo que sofria os abusos dos nobres. Esse grande vulto que a rainha de Espanha designou como O Homem e que, conforme Veríssimo Serrão refere ao prefaciar a Crónica de Garcia de Resende, desde muito novo sentira a res publica como ideal que transcende o detentor do poder e o irmana com a grei. Para a posteridade fica a imagem do Príncipe Perfeito: do legalista que impôs com dureza os direitos da Coroa, mesmo com sacrifício dos familiares e cortesãos; do rei que foi certo e constante na justiça para impedir atropelos à Coroa e protector dos povos; do sonhador governante que, para além de outros projectos, ordenou o descobrimento da Índia.
A divisa do Príncipe Perfeito, num sonhador golpe de asa, foi assumida pela Guarda. “Pela Lei e Pela Grei” é o farol orientador nos caminhos em busca da utopia: o esforço legalista para impedir atropelos à soberania do Estado; o trabalho de protecção ao serviço das populações. Conforme a tradição, “Hora a Hora a Guarda Melhora”, mas em época de crise torna-se indispensável “adivinhar perigos” e sonhar mais longe.
Enquanto colectividade humana organizada, com uma vivência peculiar, a Guarda deve ter uma individualidade duradoira e permanente muito baseada na utopia de realizar o modelo institucional perfeito e perdurar no meio social. Para prosseguir voluntariosamente os caminhos que levem a alcançar tal meta, convém à Guarda – ao serviço do Estado ainda soberano e do Povo que continua vivo como nação - centrada em desígnios próprios e despojada de interesses alheios, seleccionar de entre os seus alguns loucos e mantê-los a sonhar, incentivando objectivamente os esforços para alcançar a utopia.
Apesar das cedências dos cansados Velhos do Restelo e dos temporais dos ameaçadores Mostrengos, há muita vida na Instituição, a Guarda pode ser e singrar como Portugal no descobrimento de um Oceano Moreno. Deus quer, o Homem sonha, a Obra nasce.
No tempo em curso, de imparável progresso tecnológico, em que a Humanidade vive a reconversão comunicacional de “aldeia global” para “cidade global”; prossegue avassaladora globalização económica; e enfrenta gravíssima crise financeira e social; tudo aponta para um processo de mudança cultural acelerada. Tal estado das coisas implica e requer a influência de loucos que imaginem a utopia e sejam capazes de desenhar e desbravar os caminhos da revolução civilizacional.
Historicamente feito pelo mar, o pequeno estado-nação Portugal, que vem abdicando de alguma soberania por que envolvido na criação de um grande espaço europeu, precisa de loucos timoneiros que descubram e naveguem os caminhos sonhados no “oceano moreno” para atingir as distantes praias lusófonas, de modo a conseguir escapar à perigosa condição de estado-exíguo e a dar corpo ao sonho de um império lusófono de solidariedade fraternal.
A secular instituição Guarda, neste clima de grande instabilidade, em que ninguém está satisfeito com o que tem, não pode limitar-se a ser passiva, descurando cuidados proactivos com a sua sobrevivência. Uma revolução civilizacional desagrega e dissolve culturas e organizações. Enquanto organização, a Guarda tem que usar de loucura guiada pela utopia para reflectir os sonhos que lhe permitam navegar em águas revoltas e atingir a salvo a praia para além do mar, prevalecendo enquanto instituição.
Face aos tempestuosos perigos que se adivinham na agitação mutante da revolução civilizacional, a Humanidade, o estado-nação Portugal, a instituição Guarda e tantas outras necessitam sobre nadar para alem do normal e, para isso, de encontrar a mais-valia almejada e tirar proveito da loucura visionária de uns quantos sonhos navegados em nome da utopia como farol do futuro.
Fernando Pessoa legou-nos a “Mensagem”, esse pequeno livro portador de formidável conteúdo que, de forma profundamente empolgante, por um lado, celebra a história e as características do cavaleiro andante Portugal, paladino de um utópico Império envolto na bruma do sonho; por outro lado, questiona e invectiva o longo impasse que ensombra os caminhos do seu futuro.
O Cavaleiro tem a capacidade de sacrifício do Infante Santo: “Cheio de Deus, não temo o que virá, pois, venha o que vier, nunca será maior do que a minha alma.” Aspira a grandeza sonhada por D. Sebastião: “Louco, sim louco, porque quis grandeza… Sem a loucura que é o homem mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?” Ostenta o brilho puro da espada de Nun’ Álvares : “Que auréola te cerca?... Ergue a luz da tua espada para a estrada se ver!” Manifesta sofregamente a ânsia pela descoberta do Infante D. Henrique: “Com seu manto de noite e solidão, tem aos pés o mar novo e as mortas eras”. É capaz de recorrer à vontade férrea de alcançar a meta do Príncipe Perfeito D. João o Segundo: Seu formidável vulto solitário… que fita além do mar.
Os caminhos apontados pela utopia, percorridos por alguns caminheiros loucos, permitem concretizar a oração de Pessoa: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. “O sonho é ver as formas invisíveis da distância imprecisa e, com sensíveis movimentos da esperança e da vontade, buscar na linha fria do horizonte… os beijos merecidos da Verdade”.
Na busca do mítico Império, o Cavaleiro assume que “da obra ousada é minha a parte feita … a febre em mim de navegar só encontrará de Deus na eterna calma o porto sempre por achar”. Às grandes dificuldades e temores que tal ousadia enfrenta contrapõe-se a determinação necessária: “mais que o mostrengo, que me a alma teme e roda nas trevas do fim do mundo, manda a vontade, que me ata ao leme, de El-Rei D. João Segundo”.
A ousadia nos caminhos do mar acaba por levar a praia aberta, novo ponto de partida e não o fim da viagem: “Dobrado o assombro, o mar é o mesmo: já ninguém o tema!”
“Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Quem quiser passar além do Bojador tem que passar além da dor. … a chama que a vida em nós criou, se ainda há vida ainda não é finda. … A mão do vento pode erguê-la ainda.”
“Ser descontente é ser homem. … António Vieira, no imenso espaço seu de meditar, constelado de forma e de visão… é luz do etéreo. … Que jaz no abismo sob o mar que se ergue? Nós, Portugal, o poder ser. … É a hora!”
Para ir além do mar, o mar é o caminho: Navegar é preciso e pelo sonho é que se vai.
Na vida do dia-a-dia são prioritárias as preocupações imediatas e dá-se pouco valor aos problemas menos prementes de carácter utópico. Uma vez que não se apresentam como imediatamente úteis, não são claramente assumidos e a utopia é vulgarmente entendida como sonho, algo de natureza quimérica e praticamente irrealizável.
Isto é compreensível no homem comum, mas quando se trata da busca e da produção do conhecimento já é outro o sentido da utopia.
A República, de Platão, a Cidade do Sol, de Campanella, a Nova Atlântida, de Bacon, o pensamento de Rousseau, as ideias iluministas e as teses dos socialistas utópicos são trabalhos respeitáveis do espírito humano. Neste mesmo sentido pode ser incluída A Utopia, de Tomás Morus, que pode ser vista como o sonho de um mundo ideal mas contém larga crítica social.
Erasmo de Roterdão, em 1509, discursou sobre “O Elogio da Loucura”, que há quem considere obra essencial e um dos mais influentes livros da civilização ocidental. Fica claro que não deve confundir-se insanidade com utopia, uma vez que esta pode ser saudável na sua deriva sonhadora.
Erasmo, admirador de Santo Agostinho, foi um crítico irreverente e sarcástico, tendo-se relacionado com Tomás Morus, o autor de "A Utopia", obra próxima do "Elogio Da Loucura”, e afirmou-se como um dos grandes humanistas do Renascimento.
Apoiado numa sólida visão filosófica, Erasmo denuncia as falsidades, as injustiças, a hipocrisia que vigora entre os humanos. Fazendo de o Elogio da Loucura uma crítica inteligente dirigida ao clero, aos nobres e aos sábios. A loucura de que trata é a da simplicidade, da pureza, da depuração, da pura religiosidade, da honestidade, configurando uma utopia que perdura até hoje. E que apontou como sendo o melhor presente dos deuses aos humanos, pois um louco fala a verdade inconveniente mas é tolerado. Erasmo tem a arte de incomodar ao defender a loucura, afirmando que todos os homens de algum modo são loucos. Induz uma reflexão sobre o real sentido da loucura na sociedade actual, lembrando que Foucault distingue os Loucos "de facto" dos loucos "controlados" ou "socializados", considerando abrangente esta última categoria.
Mal acabado de sair da adolescência, nos últimos anos da década de cinquenta, caiu-me nas mãos a edição Cosmos de “O Elogio da Loucura”, ilustrada com as gravuras da época impressas a madeira. Foi um deslumbramento, que deixou marcas que perduram até hoje. Tenho impressas a fogo na memória algumas ideias-força:
- Os loucos fazem rir as mulheres;
- É dos loucos que as mulheres gostam mais;
- Os loucos descobrem a aventuram-se por caminhos desconhecidos;
- Os loucos é que inventam as novidades;
- O mundo avança por iniciativa dos loucos!...
Tudo indica que a humanidade tem de encontrar caminhos para realizar a mudança de civilização em curso.
A Loucura é o motor da Utopia e esta desenvolve o Sonho!
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