De Confúcio a Camões: interpretação de Os Lusíadas
Continuando a folhear Agostinho da Silva, postula ele que as festas do Espírito Santo, depois de se terem espalhado pelo País e pelo Mundo, diminuíram em Portugal a partir do século XVI. Isto pode ser explicado pela “Invasão” de uma Europa organizada e capitalista, que tinha um sentido de governo diferente do português. Mas ficaria nos portugueses uma saudade do Espírito Santo que eles apreciavam, “porque era o aspecto divino do inesperado no mundo, do imprevisível, … porque, dentro deles, a força maior que sentiam era essa paixão pelo inesperado, que lhes permitiria a eles mostrar toda a sua capacidade, todo o seu talento, de dar respostas improvisadas às perguntas em que ninguém tinha pensado.” Tendo lançado caravelas à descoberta, empurradas pela curiosidade, passaram a ter de gerir naus capazes de comerciar, empurradas pelo capitalismo. Então, esse culto terá sobrevivido, nalguns locais, com carácter folclórico, deixando prevalecer a ideia de que o futuro dos portugueses “ia assentar na natureza que eles sentiam em si próprios e que provavelmente estendiam também a todos os homens.”
E é nos Lusíadas que Camões regista a característica muito própria da gente portuguesa, que tem uma forma muito íntima de se relacionar com os outros, por mais distantes que sejam.
É de salientar aqui, entre outras possíveis, a referência ao pensamento de Confúcio, no sentido de alcançar a virtude: “o importante para o mundo é que, um dia, os homens possam ser aquilo que realmente são sem se submeterem a nenhuma espécie de deformação.” Lembra o nosso autor que Camões andou pelo Oriente, designadamente permaneceu em Macau, e o confucionismo não lhe terá passado ao lado e provavelmente o influenciou. Os Lusíadas retratam os portugueses da construção da nacionalidade e da descoberta até à India apoiados no culto da virtude, sendo primordiais lealdade, compromisso, obediência, para atingir o empreendimento em vista. Mas uma vez concluída a empresa, Camões descreve os portugueses num outro registo, segundo o qual “eles não têm que ser mais nada senão o que são, e que n’Os Lusíadas aparece com a designação dada pelos seus leitores de “A Ilha dos Amores”. Ali, os marinheiros que desembarcam deixam de ser marinheiros, são apenas as pessoas que nasceram com toda a sua plenitude humana, e se revelam apaixonados por tudo o que é fenómeno.
Seguindo Camões, a Ilha dos Amores ensina aos portugueses que podem saber o tempo futuro e que podem estar livres do espaço, no episódio em que uma deusa lhes vem dizer como vai ser Portugal e lhes mostra a máquina do mundo. Daqui, na interpretação agostiniana, Camões diz que “as ideias talvez pairem no mundo e entram na cabeça das pessoas … quando elas põem em dúvida que seus cérebros sejam tão poderosos que podem fabricar essas ideias…”
A Rainha Santa e a festa do Espírito Santo
Ao folhear Agostinho da Silva, adquirimos a noção introduzida pelo frade beneditino Joaquim de Fiore sobre o “significado de tempo na concepção cristã da Trindade”. Segundo ele, haveria três idades na Eternidade: a era do Deus Pai (criador e legislador do mundo, registada no Velho Testamento); a era do Deus Filho (a idade do Cristo, que tornava possível o regresso do homem ao paraíso após o sofrimento da vida terrena); e, possivelmente, a Era do Espírito Santo (uma idade de pleno desenvolvimento do homem e do mundo).
Esta ideia viria a reflectir-se em Portugal através do casamento de D. Dinis com a princesa Isabel de Aragão, que trouxe consigo a concepção da Era do Espírito Santo como sendo de pleno desenvolvimento da humanidade, valorizando a vivência espiritual. Tendo recebido como dote a vila de Alenquer, aquela que viria a ser a Rainha Santa, terá ali promovido a festa do Espírito Santo, distinta do culto canónico da Igreja e caracterizado por um cunho popular. E o povo português entusiasmou-se com a festa, “como se os portugueses tivessem dentro deles sem se expressar, inconscientemente, já essa ideia fundamental de ter que se caminhar para o futuro… uma festa prospectiva para o futuro, é uma festa em que os portugueses declaram como vai ser o tal mundo do Espírito Santo.
Os portugueses sempre adoraram o concreto, entendem o abstracto, mas procuram traduzir imediatamente em concreto. Portanto… aquilo que se tratava propriamente de saber é como é que seria a vida desses homens, como é que ela se organizaria quando reinasse o Espírito Santo no tempo.”
A festa era marcada por três pontos: a coroação do “menino imperador do mundo”, a libertação dos presos e o banquete. A festa portuguesa continha um programa de futuro: na Era do Espírito Santo, “o mundo seria dirigido pelas qualidades inatas na criança… a vida quotidiana devia ser gratuita… e em plena liberdade…” Esta ideia dos portugueses foi espalhada pelo mundo com a navegação.
(Agostinho da Silva - Ele Próprio. Corroios: Zéfiro, 2006)
Os portugueses e a espiritualidade
Admitida toda uma série de indícios que dão corpo à hipótese de a espiritualidade exercer influência nos indivíduos e nos povos, ganha forma a pergunta sobre como se expressa tal característica no povo português.
Persiste ainda hoje a milenar definição do general romano relativa aos nossos ancestrais lusitanos, “um povo estranho, que não se governa nem se deixa governar”. Internacionalmente reconhecidos como bons trabalhadores fora do País, os portugueses são frequentemente apontados como imaginativos, improvisadores, desembaraçados, com forte tendência para preferirem o “desenrascanço” ao trabalho organizado.
Na tentativa de estabelecer uma base para abordar a questão, caminhemos como ensinou São Paulo - Soprando as cinzas, é possível reacender o fogo! – e procure-se uma orientação do percurso continuando a folhear.
A mensagem do milagre de Ourique
A ideia de milagre ligado à batalha de Ourique, no início da nacionalidade, serviu de argumento político para justificar a independência do Reino de Portugal: a intervenção directa de Cristo era a prova da existência de um Portugal independente e eterno por vontade divina.
Segundo a lenda, D. Afonso Henriques teve uma visão de Jesus Cristo, garantindo-lhe a vitória em combate e anunciando intenções divinas quanto ao futuro da sua descendência.
Este acontecimento marcou o imaginário português, sendo relatado nas crónicas ao tempo de D. Duarte, narrado o milagre por Camões no canto III dos Lusíadas (“o Filho de Maria, amostrando-se a Afonso, o animava”), até ao ponto de ainda hoje estar retratado na bandeira Nacional.
O milagre de Ourique é interpretado como sendo um mito nacional de sobrevivência, que terá obtido o estatuto de memória invisível e evidente, construtora da própria identidade nacional. Pode concluir-se que é a partir de acumular o imaginário que as comunidades acabam por orientar a acção ao longo dos tempos.
Continuando a folhear...
Idiossincrasia
Não há um conceito unívoco de idiossincrasia, podendo o termo ser usado com diferentes significados: peculiaridade do comportamento característico de um indivíduo; predisposição particular do organismo que origina reacções próprias de cada indivíduo; hipersensibilidade inata e constitucional que apresentam certos indivíduos aos agentes exteriores; revelação de um jeito de ser do indivíduo, que se mostra para a sociedade de forma diferente, de uma maneira de ser diferente, um jeito de sentir diferente, um modo de ver a vida…
Uma vez que cada ser humano é um fenómeno único, ninguém é igual ao outro, também podem existir diferenças entre instituições, culturas, sociedades, países… Parece portanto aceitável que se considere a existência de idiossincrasias colectivas.
Inconsciente colectivo e arquétipos
Segundo Karl Jung, o homem possui um eu público, exterior, e um eu secreto, interior, integrando ambos o homem total. Partiu daqui a busca de um inconsciente colectivo, fundo psíquico comum a todos os homens, estrutura básica que permaneceria eterna, para lá das diversas características de espaço, tempo e cultura.
Esta alma colectiva seria sensível a certos símbolos que desencadeariam os arquétipos ou sentimentos universais, despertando tendências ou impulsos humanos de origem inata e hereditária, como o nascimento, a morte e as relações entre pais, filhos e irmãos.
Jung compreendeu a importância dos símbolos para entender a natureza humana, uma vez que eles exprimiam os arquétipos do inconsciente colectivo, “predisposições inatas para experimentar e simbolizar situações humanas universais”, os quais de algum modo estariam presentes em todos os grandes sistemas mitológicos e religiosos da humanidade.
“… em contraposição à noção geralmente predominante que considera a experiência racional e conceptual como o padrão de normalidade, e a actividade de sonho e de fantasia como primitiva, regressiva e anormal, Jung considera a produção imagética espontânea, os sonhos, as fantasias e as expressões artísticas como fontes indispensáveis de informação e orientação…” “… o sonho fala na linguagem arcaica da psique objectiva. Ele fala a sério e exprime, em termos simbólicos, o lado desconhecido da situação de vida da maneira que é apreendida e espelhada pelo inconsciente. Os sonhos são simbólicos.” (WHITMONT, Edward – A Busca do Símbolo. S. Paulo: Cultrix, 1969)
Albert Einstein, um dos maiores expoentes do pensamento contemporâneo, além de teorizar a relatividade universal deixou também algumas linhas que importa ressaltar:
O segredo da criatividade está em dormir bem e abrir a mente às possibilidades infinitas.
O que é um homem sem sonhos?
Espero que não sejamos um sonho que Deus sonha.”
Tendo em conta quanto fica “folheado”, afigura-se aceitável encarar a tendência do homem para sonhar como um traço da cultura não material, inspirador de movimentos sociais utópicos; e permite conceber hipóteses como a da constância de uma alma universal, inconsciente colectivo que se traduziria em arquétipos, que se apresentam diversos nos povos como nos homens. Tudo confirmando a importância da espiritualidade nos seres humanos enquanto indivíduos e como conjuntos sociais mecânicos ou orgânicos.
O espírito para além da matéria
É muito antiga a ideia de existência de uma alma do mundo, puro espírito imaterial subjacente e animador em toda a natureza, de modo semelhante ao que sucede com a alma humana. Neste sentido, o mundo é um ser vivo, com alma e inteligência próprias, constituindo uma unidade material e imaterial; este ser universal contém todos os seres vivos, os quais se encontram naturalmente interligados. Tal ideia chega até aos nossos dias com raízes em Platão, encontra-se também em sistemas de pensamento orientais e tem sido sustentada ao longo dos tempos por pensadores como Paracelso, Spinoza, Leibnitz e Schelling.
Mitologia helénica
“Os mitos gregos estão por toda parte ainda hoje. Estas narrativas, que um dia povoaram não só a imaginação como também a vida quotidiana de todo um povo, perduraram no tempo e ainda hoje fascinam escritores, cineastas, escultores, psicólogos, antropólogos, etc. Pode-se fazer delas o uso mais variado, mas é curioso que guardam, em si mesmas e por si mesmas, um interesse inabalável para os leitores comuns, pessoas que sempre sentirão prazer em mergulhar na poesia de deuses nada perfeitos, cheios de defeitos muito humanos, ninfas que definham de amor por mortais, heróis que redimem a humanidade, vozes encantadoras de sereias, monstros brutos de um olho só, derrotados pela inteligência do homem. Os estudiosos podem tentar analisar os mitos como forma primitiva de explicação racional do universo, como ciência ingénua e rudimentar; outros podem vê-los como projecção de nossa vida inconsciente, etc. — o mito sobrevive a qualquer tentativa reducionista de enquadrá-lo em termos que não são os seus, reduzi-lo a alguma “chave” que supostamente o desvende — ele sobrevive inatingível, com o impacto de sua força narrativa. “O mito é o nada que é tudo”, já disse Fernando Pessoa, criador de mitos, como todo poeta.” (Vasconcelos, 1998)
Recorrendo à popular Wikipedia, obtem-se desenvolvimento sobre a mesma matéria:
“Mitologia Helénica é uma das mais geniais concepções que a humanidade produziu. Os gregos, com sua fantasia, povoaram o céu e a terra, os mares e o mundo subterrâneo de Divindades Principais e Secundárias. Amantes da ordem, instauraram uma precisa categoria intermediária para os Semideuses e Heróis. A mitologia grega apresenta-se como uma transposição da vida em zonas ideais. Superando o tempo, ela ainda se conserva com toda a sua serenidade, equilíbrio e alegria. A religião grega teve uma influência tão duradoura, ampla e incisiva, que vigorou da pré-história ao século IV e muitos dos seus elementos sobreviveram nos Cultos Cristãos e nas tradições locais. Complexo de crenças e práticas que constituíram as relações dos gregos antigos com seus deuses, a religião grega influenciou todo o Mediterrâneo e áreas adjacentes durante mais de um milénio. Os gregos antigos adoptavam o Politeísmo Antropomórfico, ou seja, vários deuses, todos com formas e atributos humanos. Religião muito diversificada, acolhia entre seus fiéis desde os que alimentavam poucas esperanças em uma vida paradisíaca além-túmulo, como os heróis de Homero, até os que, como Platão, acreditavam no julgamento após a morte, quando os justos seriam separados dos ímpios. Abarcava assim entre seus fiéis desde a ingénua piedade dos camponeses até as requintadas especulações dos Filósofos, e tanto comportava os excessos orgíacos do culto de Dionísio como a rigorosa ascese dos que buscavam a purificação. No período compreendido entre as primeiras incursões dos povos helénicos de origem Indo-europeia na Grécia, no início do segundo milénio AC, até o fechamento das escolas pagãs pelo imperador bizantino Justiniano, no ano 529 da era cristã, transcorreram cerca de 25 séculos de influências e transformações.”
Para além da religião, baseada no politeísmo antropomórfico, também os heróis e os mitos eram objecto de representação em imagens pintadas e esculpidas, que traduziam simbolicamente expressões inconscientes e profundamente instaladas na alma colectiva.
Santo Agostinho, doutor antigo da Igreja de Cristo, em obra fundamental, marcou destacadamente a existência de uma Cidade dos Homens e de uma Cidade de Deus, sendo a primeira terrena e a segunda de natureza espiritual. E vincou a ideia de que Deus é condutor, doador de todos os reinos e quem determina o seu fim nem sempre visível à racionalidade humana.
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