Admitida a ideia de estar em curso uma autêntica revolução civilizacional, precursora de acesa instabilidade e geradora de insegurança seguidas por crises diversas e sucessivas, revela-se conveniente realizar algumas conjecturas sobre o evoluir dos processos de mudança acelerada.
Embora sendo optimistas por opção, somos fortemente pressionados por uma conjuntura tendencialmente pessimista, o que aconselha ao esforço de fazer juízos temperados por equilíbrio na procura de realismo.
Na tentativa de seguir tal caminho, temos vindo ultimamente a reflectir “Sobre Ordem Pública” (revista Segurança e Defesa, Nº 19) e em sentido oposto a “Pensar a Desordem” (revista Pela Lei e Pela Grei, Nº 92); tendo prosseguido com o levantamento de alguns “Perigos Duradouros” (revista Segurança e Defesa, Nº 20), afigura-se oportuno avaliar até que ponto não estará a sociedade portuguesa a passar “Da Ordem Pública à Desorganização Social”.
Prosseguindo o esforço no sentido de efectuar uma abordagem centrada na sociologia, liminarmente, convém assumir com clareza alguns conceitos basilares. Assim, entende-se que Sociedade é um tipo de sistema especificamente definido por um território geográfico -- que poderá ou não coincidir com as fronteiras de Estado-Nação -- dentro do qual uma população compartilha de uma cultura e estilo de vida comuns, em condições de autonomia, independência e auto-suficiência relativas; e que em certos casos adopta a forma de Estado, isto é, uma sociedade perfeita, politicamente organizada, que exerce autoridade própria para gerar e aplicar Poder colectivo. Para descrever a relação entre os Cidadãos e o Estado tem sido metaforicamente usada a expressão Contrato Social; a partir desta ideia é estabelecida uma Ordem Social -- que abarca o conceito mais restrito de Ordem Pública -- visando conseguir a coesão do colectivo, diversos sistemas são mantidos integrados e exercem o Controlo Social, por meios institucionais e outros métodos capazes de assegurar que indivíduos e grupos obedeçam a normas e sustentem valores; refere-se aos padrões relativamente previsíveis de comportamento e experiência que caracterizam a vida nos próprios sistemas referidos como Organização Social, a qual formalmente organizada é um sistema social estruturado em torno de metas específicas.
Quando se verifica o facto de não se seguirem as vias traçadas pelos modelos de comportamento, pelas normas institucionais que dirigem a conduta colectiva -- como inconformismo, excentricidade, contestação, delinquência -- considera-se a ocorrência de Desvio Social; quando se verifique o rompimento de consenso entre os membros de uma sociedade, que deixam de obedecer a normas de comportamento homogéneas, desequilibrando assim o sistema de reciprocidade da organização existente, a perda ou a falta de organização pode assumir a designação um tanto vaga de Desorganização Social; a desorganização pode referir-se a aspectos particulares da vida em sociedade -- falta de integração, conflitos entre grupos, luta de forças ou ideologias opostas, tensões entre as funções diversas -- ou pode ser mais fundamental e afectar toda a vida social nas suas estruturas e nas suas instituições – crises, subversões, revoluções.
O desenvolvimento da complexidade crescente das relações internacionais e a procura de uma Nova Ordem Mundial propiciaram a utilização terminológica da nova ideia de Desordem Mundial. Esta situação tem vindo a dar azo a que em muitos países em vez de uma ordem pública se encontre aquilo que vai sendo chamado de anarquia madura; e justifica o esforço no sentido de esboçar um quadro de acontecimentos, situações, factores que – frequentemente em nome dos Direitos Humanos – dificultam e contrariam a estabilidade da Ordem Pública e induzem e facilitam o descontrolo desta.
A noção de ordem sugere a ideia de coisas bem alinhadas, cada qual no seu lugar; nos seres humanos implica tranquilidade, disciplina, obediência; a nível social consiste na submissão dos elementos de uma sociedade às normas, valores e leis em vigor. Na linguagem corrente, a palavra desordem significa falta de ordem, desarranjo, desalinho, motim, barulho, confusão, implicando ausência de tranquilidade, de paz, com tendência ou mesmo instalação de desorganização social. Pode a desordem ser veículo de contestação social, promovendo desagregação ou procurando caminhos para a mudança; de qualquer modo, afecta a coesão e reflecte-se na ordem social. Perante tal quadro, permita-se o atrevimento de sugerir como aplicável a novidade terminológica de Desordem Social. Sem nos determos nas ameaças conhecidas e emergentes ligadas com a proliferação da criminalidade e das incivilidades, são de levar em conta alguns aspectos nem sempre lembrados nem tidos como factores a considerar mas que, ao menos de forma indirecta, afectam negativamente a Ordem Social em geral e a Ordem Pública em especial. Enunciámos já as crises internacionais, certas características paradoxais da cultura do português, a sociedade espectáculo, os jogos de poder, a tendência de queda do poder na rua, a manipulação da comunicação social, a ligeireza das opiniões e a carência de pareceres bem fundamentados, a instabilidade crescente até nas forças armadas e de segurança, a competição menos saudável entre instituições e as vulnerabilidades nas forças de segurança; podem ainda acrescer a alteração de valores, o relativismo moral, a degradação dos costumes, o alheamento, o laxismo, a anomia… É claro que tudo isto, em doseamento razoável, faz parte da Dinâmica Social, mas, quando se formem diversas espirais em simultâneo e se desenvolvam em turbilhão, pode ser muito alto o risco de se instalar a Desorganização Social e entrar rapidamente em Desordem.
Convém lembrar que os governos só governam enquanto lhes obedecem. E numa sociedade desorganizada e em desordem pode tornar-se inviável governar em regime democrático.
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