Há muito que ardia incêndio no Médio Oriente... O fogo estava latente nas autocracias do Norte de África ... uns quantos "barris" de democracia potenciados por várias "octanas" de liberdade lançados sobre material altamente combustível provocaram a ignição explosiva do incêndio. Este alastra de modo quase imparável, sendo difícil minimizar ou limitar os danos, conseguir a extinção da ameaça e a recuperação para um ambiente mais seguro, mais justo, melhor...
São de ter em conta os indícios existentes de ser cada vez mais alto o risco de se formar uma tempestade de fogo, imparável, arrasadora, que propague o incêndio numa Europa com muitas vulnerabilidades.
Não estou habilitado para realizar um exercício crítico sobre os subsídios compensatórios ultimamente legislados. Mas lá que me levantam sérias dúvidas é facto indiscutível.
Na tentativa de compensar alguns mais sacrificados, consegue-se antes gerar insatisfação alargada, que tem efeito desagregador no efectivo. De resto, a solução encontrada tem aspectos algo "folclóricos", que suscitam reivindicações de azimutes e altitudes vários no meio militar e comentários jocosos na comunicação social.
Desde há muito que me interrogo por que razão não se nota nas discussões prévias nem nas posteriores à tomada de decisão para atribuir compensações a corpos especiais do Estado a realidade seguinte:
- as FA têm condição/servidão militar;
- a PSP tem condição/servidão policial;
- a GNR tem dupla condição/servidão, militar mais policial.
Parece um critério base racional para análise de um possível impasse em que todos querem fazer valer os seus direitos. É discutível, mas parece ser realidade pouco evidenciada, razão maior para não passar sem discussão de modo a avaliar "pesos relativos" na óptica da servidão.
O moderno Estado democrático - sociedade perfeita, politicamente organizada – atribui limitações à profissão militar, que considera com carácter técnico e com competência limitada, baseada numa ampla divisão do trabalho. Huntington refere que antes da profissionalização dos militares a mesma pessoa podia qualificar-se também como político, mas tal já não é corrente, citando a propósito o marechal Wavell: “A permutabilidade entre o estadista e o soldado é coisa que passou com o século XIX”. E defende que a política está para além da competência militar, pondo em relevo que “a participação dos militares na política enfraquece-lhes o profissionalismo, reduz a competência profissional, divide a profissão contra si mesma e substitui valores profissionais por valores estranhos. Politicamente, o militar tem é que permanecer neutro. (…) Assim como a guerra serve aos fins da política, a profissão militar serve aos fins do Estado.”
Nesta visão, a responsabilidade dos militares para com o Estado assume três aspectos: uma função representativa, uma função consultiva e uma função executiva. Ressalva-se uma grande área de justaposição entre a estratégia militar e a arte do possível exercida pelos políticos. Uma vez que a profissão militar existe para servir o Estado, os militares profissionais devem constituir um instrumento da política do Estado, o que implica que a profissão se estruture numa hierarquia de obediência leal e instantânea a todos os níveis. Daqui resulta que “lealdade e obediência são as virtudes militares mais altas”. Um corpo de militares “só é profissional na medida em que a sua lealdade se dirige ao ideal militar. Outras lealdades são transitórias e divisoras.”
Huntington discorre seguidamente sobre os limites à obediência, questionáveis quando surja um conflito, de natureza operacional ou doutrinária, entre obediência militar e competência profissional; ou entre obediência militar e valores não militares.
No primeiro caso, considera as possibilidades de ruptura da organização militar originada por desobediência a ordens operacionais e de a obediência rígida e inflexível sufocar a inovação e o espírito empreendedor. Trata-se de situações muito complexas. De qualquer modo, “Presume-se que a autoridade de militares superiores reflicta maior capacidade profissional. Quando esse não é o caso, a hierarquia de comando está sendo prostituída.”
No segundo caso, divide as questões em quatro grupos de conflitos possíveis: entre obediência militar e sabedoria política, clarificando que a política é uma arte enquanto a ciência militar é uma profissão; entre obediência e competência militares, quando esta competência se vê ameaçada e invadida por um superior político, que pode dar uma ordem militarmente questionável; entre obediência militar e legalidade, presumindo-se que os militares só acatam ordens de governantes legitimamente constituídos e que, julgada a questão, o militar está obrigado a acatar a decisão; entre obediência militar e moralidade, esta por vezes ultrapassada pela razão de Estado, embora não renunciando o soldado a fazer julgamentos morais, considera que “Só raramente encontra o militar justificativa em seguir os ditames da própria consciência contra a dupla demanda de obediência militar e bem-estar do Estado.”
Huntington, em termos sumários, considera que a ética militar “Proclama a supremacia da sociedade sobre o indivíduo e a importância da ordem, da hierarquia e da divisão de funções. (…) Exalta a obediência como a maior das virtudes do militar. ”
Encarando a precedente visão institucionalista de Huntington como básica e facilitadora para desenhar um modelo da mentalidade militar, convém lembrar que este autor publicou tais considerações em 1957 e originou polémica com a abordagem funcionalista de Morris Janowitz; tais visões foram complementadas posteriormente por outras abordagens.